10/08/2023 às 09h50min - Atualizada em 10/08/2023 às 09h50min

Espaços que oferecem livros a preços acessíveis ganham a periferia de Belém

Conhecidos por 'sebos', os locais disponibilizam literaturas a partir de R$ 2

com edição da Redação Belem.com.br
O Liberal
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O sentimento de responsabilidade social e a vontade de divulgar conhecimento fizeram com que Carlos Ferreira abrisse em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém (RMB), um espaço do Sebo do Gueto, que oferece vários livros a partir de R$ 10 e também conta com a possibilidade de empréstimo das obras.

Carlos conta que a ideia de montar o sebo — termo popular dado a livrarias que compram, trocam ou vendem livros usados a um valor mais em conta — surgiu após dar uma volta pelo bairro do Aurá, onde mora, e perceber a necessidade de uma biblioteca nas proximidades. 

“É muito importante ter esses espaços [sebos] onde a gente mora porque leva conhecimento, sabedoria, e acaba tirando muitos jovens das ruas, incentivando o hábito de leitura”, afirma Carlos. 

O espaço literário, localizado na própria casa do organizador, dispõe de literaturas brasileiras e estrangeiras, clássicos, obras da Amazônia e livros técnicos. Segundo ele, apesar da internet disponibilizar centenas de produções e artigos online, muitas pessoas ainda buscam pelo toque nas folhas dos livros físicos. 

O projeto busca chegar a crianças e adolescentes que moram nas redondezas. Carlos relata que uma forma que o Sebo encontrou para alcançar o público mais novo foi a realização de um encontro literário infantil. “Já fizemos encontros literários em que até os pais, que se interessam por literatura, vieram participar.”

Com o objetivo de tentar criar uma sociedade melhor, o pedagogo Aguinaldo Rosa, de 49 anos, decidiu abrir o “Clube Amigo do Livro”, no bairro da Pedreira, em Belém, que oferece vários gêneros literários a preços acessíveis. Desde 2013, a garagem da casa de Aguinaldo se transformou em um espaço para estimular a curiosidade e a fascinação pela leitura entre a população. 

“Nosso objetivo não é apenas vender a cultura através do livro, mas também divulgar informação e conhecimento com responsabilidade social e ambiental, além de proporcionar aos leitores o gosto pelo conhecimento. Temos uma visão de futuro onde todo mundo tenha acesso à leitura."

Aguinaldo pontua que o Clube Amigo do Livro já recebeu milhares de visitantes, e lá os consumidores podem encontrar obras que variam de R$ 2 a R$ 40, dos mais diversos gêneros, como romance, autoajuda, espírita, ficção, evangélico, terror, literatura e literatura infanto-juvenil.

“Mais de 10 mil pessoas passaram pelo Clube, também já executamos várias atividades por meio de ações culturais nas praças de Belém e nos interiores, além de escolas públicas e particulares, feiras de livros, como a Panamazônica, Flibe, no Centur, em Canaã dos Carajás, Santarém, Marabá e Parauapebas”, celebra o pedagogo. 

Literatura na periferia

O último estudo do Retratos da Leitura no Brasil, desenvolvido pelo Instituto Pró-Livro, mostra que 61% dos moradores de Belém são considerados leitores – a pesquisa classifica como leitor aquele que leu inteiro, ou em partes, pelo menos um livro no intervalo de três meses. No entanto, os dados apontam que apenas 25% dos leitores pertencem às classes mais baixas, como D/E.

O estudante Antony Braga, de 18 anos, atua como gerente na unidade do Sebo do Gueto no bairro do Jurunas e diz que não é comum o hábito de leitura ser incentivado nas periferias da cidade. “Dentro de uma periferia é bem raro esse hábito da leitura, devido a falta de espaço que proporcione esse interesse em livros. Acredito que espaços como o Sebo aumentem o interesse na literatura”, acentuou o jovem. 

No espaço do Jurunas, já foram vendidos mais de 10 mil livros, entre eles os autores mais procurados entre os estudantes são os grandes nomes da literatura brasileira: Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Paulo Coelho. 

Antony relata que sempre gostou de ler. Ele tinha poucos livros em casa, mas pegava emprestado algumas obras para manter o hábito. O jovem conheceu o projeto Sebo em 2019, e diz que tudo aconteceu de uma forma “bem espontânea”. 

“Eu moro perto [do Sebo] e passo por lá todos os dias, até que um dia notei o local, e o que mais chamava a atenção era a quantidade de livros, além de uma placa indicando que era uma venda”, relembra o estudante.

Ele destaca que o foco do projeto é expandir o interesse pela literatura dentro das comunidades e periferias. E ressalta que o próprio hábito de leitura se intensificou após fazer parte do grupo. “Passei a acompanhar o Sebo do Gueto e a ler mais desde então, foi um ótimo incentivo”, declara o atual gerente. 

O principal fator de incentivo, afirma Antony, é a questão da acessibilidade de preços, com livros a partir de R$ 10. Ele avalia que 80% das vendas do local são de obras que custam, em média, R$ 20 e R$ 30. “É uma forma de incentivo à leitura. Todo mundo está acostumado a ver preços de livros em lugares mais luxuosos, isso faz com que a leitura seja pouco acessível, como se fosse algo que só quem tem muito dinheiro possa ter esse hábito de ler. O Sebo do Gueto, e muitos outros sebos, mostram que os livros podem ser comprados e utilizados por todos da comunidade por um preço mais acessível.”

Além do espaço de vendas, o Sebo do Jurunas também possui uma biblioteca comunitária chamada Gueto Hub, que além dos livros, também agrega uma galeria de artes, espaço coworking, e estimula a cultura da periferia, inovação e empreendedorismo. 

Melhora na qualidade de vida

Isabeles Gomes, pedagoga e pós-graduanda em alfabetização e letramento, ressalta que a leitura é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, principalmente nos primeiros anos da vida escolar. 

“A leitura deve ser apresentada para criança desde a infância, porque ela estimula o desenvolvimento cognitivo e também é muito importante para proporcionar uma rotina de estudos para elas.”

Ela acrescenta ainda que a dificuldade de aprendizado dos jovens pode estar ligada à falta dessa rotina. “Muitas pessoas não conseguem fazer uma boa interpretação, porque, às vezes, estão apenas ligadas aos celulares, tablets, jogos ou não tiveram o incentivo à leitura desde cedo. Por isso é fundamental que os pais separem o momento para ler com as crianças em casa, aquela leitura acessível, um livro que a criança gosta, que chame a atenção dela”, enfatiza a pedagoga. 

Isabeles pontua ainda que a literatura é um dos meios responsáveis por desenvolver a imaginação, criatividade e outras habilidades. “A literatura melhora a atenção, as habilidades linguísticas, enriquecendo o vocabulário, e vai muito além do espaço físico, pois permite que o leitor entre no mundo da imaginação e viaje para vários lugares, diferentes culturas, tudo sem sair de casa.”

Além dos benefícios para o público mais jovem, a pedagoga destaca que ler é essencial em qualquer idade, principalmente com o passar dos anos. “Para os idosos, a leitura contribui para a saúde, porque melhora a capacidade motora e mental, ajuda no processo da memória e execução das atividades do dia a dia. Mas para isso, é muito importante adequar a leitura de acordo com o público”, conclui Isabeles.

 

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