19/04/2021 às 15h45min - Atualizada em 19/04/2021 às 15h45min

O protagonismo indígena na luta contra a covid-19

Médica da etnia Tembé fala sobre os desafios de atuar na linha de frente da doença

Brenda Rachit / Equipe Belem.com.br
A foto acima, de caráter ilustrativo, mostra a indígena Vanda Witoto, uma das muitas profissionais que estão atuando pelo Brasil afora durante a pandemia. (Foto: Neto Ramos/Reprodução Instagram)
      
O dia 19 de abril é conhecido popularmente como o “Dia do índio”, porém a data é mais de luta do que comemorativa, pois ainda há muitas conquistas a serem alcançadas em relação à população indígena. Até mesmo a expressão “índio” é questionável, já que remete à colonização violenta dos povos tradicionais. Por não caber em um único dia, a causa indígena ganha ênfase nos demais dias de abril, para que esse período seja estabelecido como mês da resistência indígena.

Esse dia foi criado ainda na década de 40, pelo então presidente Getúlio Vargas, após a realização do Congresso Indigenista Interamericano, no México. Nesses 80 anos, muito se tem debatido sobre as questões que envolvem as comunidades tradicionais e seus direitos. Mesmo diante de vários entraves, pessoas de diversas etnias indígenas têm ocupado espaço em diferentes camadas da sociedade, numa luta constante pela quebra de tabus e preconceitos.

Indígenas na linha de frente

Em um cenário de pandemia da covid-19, marcante para toda a classe de profissionais da saúde, a presença indígena também é atuante no combate à doença. Ana Paula Tembé é indígena, da etnia Tembé e é médica residente pela Universidade Federal do Pará (UFPA) na Santa Casa de Misericórdia. Lá ela atua na área de ginecologia e obstetrícia e, dentro desse setor, também atende pacientes com quadro de covid-19. O combate na linha de frente se estende também em outros hospitais onde ela trabalha.

Ana Paula se formou um mês antes do começo da pandemia, então está desde o início nessa batalha diária para salvar vidas. “Foi muito diferente. Eu jamais imaginaria que ia sair da faculdade diretamente para enfrentar uma pandemia. Ninguém imaginou que seria dessa forma, então não estávamos preparados para lidar com isso. Foi uma experiência nova tanto para quem já estava mais tempo no mercado de trabalho, quanto para os mais novos”, comenta a médica.

A profissional relata como é atuar no combate à covid-19 na Santa Casa de Misericórdia. "A
 rotina é muito cansativa e pesada. Como o paciente se deteriora muito rapidamente, você tem que ficar todo tempo bem atento, monitorando-o constantemente. Aqui, a demanda é bem grande, com um fluxo muito alto. Então, a rotina para nós, profissionais da saúde, é muito cansativa tanto física quanto mentalmente", enfatiza.

Ana Paula Tembé durante trabalho no combate à covid-19. (Foto: Reprodução)

Ana Paula Tembé durante trabalho no combate à covid-19. (Foto: Reprodução)



Outros profissionais indígenas têm atuado em diversos setores de enfrentamento. A própria Ana Paula conhece indígenas das áreas de Farmácia, Biomedicina, Enfermagem, Odontologia, Técnicos de Enfermagem e da própria medicina. 

“Ocupar esses cargos, essas áreas, é uma forma de representatividade, porque até um tempo atrás a gente não observava isso. O que nós víamos, principalmente falando da medicina, era aquele padrão, aquele fenótipo do ‘clássico médico’, de classe social alta que tinha carro, casa própria, branco, alto, todo estereotipado. Hoje em dia não, a gente observa que esse padrão começou a cair. Eu pude conviver na medicina com diversas classes sociais, diversas origens”, conta Ana Paula.

Resistência

Para a médica Tembé, o dito “Dia do índio” não é um dia apenas para comemoração. É também um dia de reivindicação de direitos pelo acesso à saúde, à educação de qualidade e à demarcação de territórios indígenas. “Historicamente somos conhecidos como o povo que não desiste. A gente já superou várias adversidades e até hoje, em pleno século XXI, há muitos tabus com relação ao nosso fenótipo. Isso não existe. São vários povos, cada um com sua particularidade, sua língua materna, os indígenas não são todos iguais”, afirma Ana Paula.

Origem

Ana Paula Tembé é da aldeia Ita Putyr, que em Tupi significa “Flor da Pedra”, termo muito significativo para representar a resistência de uma mulher indígena e médica dentro de um contexto tão caótico como este de pandemia.

Neta de parteira e curandeira e filha de um agente de endemias, ela escolheu a medicina por perceber que muitos locais ainda ficavam descobertos de atendimento médico. Entrou na Universidade Federal do Pará em 2014 e conta que é um desafio conciliar o saber tradicional com o conhecimento da faculdade e de suas vivências no ambiente hospitalar.

Impactos da Pandemia

No Brasil, são mais de 5 mil casos confirmados da doença em indígenas. Já são mais de mil mortes nos 163 povos afetados, segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Os números são superiores aos divulgados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), pois a Funai só contabiliza casos ocorridos em terras indígenas homologadas. 

A maior dificuldade dessas comunidades é que elas se encontram mais vulneráveis a epidemias por conta das condições sociais, econômicas e de saúde que são mais precárias do que a de não indígenas, o que potencializa a disseminação de doenças. Ainda há a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, seja por distância geográfica como por insuficiência de equipes para cobertura médica nas aldeias.

Imunização

Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde do Pará (Sespa), 23.827 indígenas podem ser vacinados contra a covid-19 no Pará. Desse total, 10.581 já receberam a primeira dose, o que corresponde a aproximadamente 45% de cobertura na primeira etapa da vacinação. 7.063 pessoas dos povos tradicionais já estão imunizados com a segunda aplicação.

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